“A pegada de carbono é uma forma de conhecer o impacto do produto ou projeto no clima”.
A redução nas emissões de carbono é um tema de relevância mundial desde o Acordo de Paris e, mais recentemente, a COP26 que colocou em destaque o tema da regularização do Mercado de Carbono.
Entretanto, dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) em maio deste ano, apontam que 45% das empresas entrevistadas possuem pouco ou nenhum conhecimento sobre o conceito Pegada de Carbono – primeiro passo para estipular metas e reduzir emissões.
Para tratar desse assunto, a APCER Brasil conversou com a gerente de consultoria na WayCarbon, Laura Albuquerque, doutoranda em engenharia e mestre em planejamento energético e ambiental que, desde 2005, atua nas áreas de meio ambiente e sustentabilidade com passagens pela ERM, Vale, Fundação Roberto Marinho e Cebds.
A WayCarbon está há 16 anos no mercado prestando serviços de consultoria e desenvolvimento de soluções de tecnologia e inovação voltadas para a sustentabilidade, gestão de ativos ambientais e no desenvolvimento de estratégias visando a ecoeficiência e a economia de baixo carbono.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
APCER Brasil – Mesmo que uma organização não tenha potencial de participar do Mercado de Carbono, é válido o cálculo da Pegada de Carbono?
Laura Albuquerque – Com certeza. Calcular a Pegada de Carbono significa avaliar o ciclo de vida de um determinado produto, ou projeto. O cálculo não restringe um recorte de período, mas todo o ciclo de vida. Então é muito importante, para qualquer empresa, analisar sua Pegada de Carbono independentemente de gerar crédito de carbono ou atuar no mercado voluntário. A pegada de carbono é uma forma de conhecer o impacto do produto ou projeto no clima.
APCER Brasil – Quais outros benefícios, além da possibilidade de ingressar no Mercado de Carbono, uma empresa que calcula a Pegada de Carbono e investe em redução e/ou neutralização pode ter?
Laura Albuquerque – Independentemente do segmento de atuação, o primeiro benefício imediato é se conscientizar sobre a importância da pauta e desenvolver uma estratégia de resiliência climática, que trará benefícios no curto e no longo prazo para a própria empresa e para a sociedade, em sintonia com o que prevê o Acordo de Paris, agindo proativamente para a aceleração do crescimento sustentável da economia brasileira.
Considerando setores relevantes para o Brasil como agropecuário, florestal e energético, destaco os seguintes co-benefícios a título de exemplo:
No agro, o investimento em uma economia de baixo carbono implica diretamente na redução da pressão sobre o desmatamento, na melhoria da qualidade das condições de trabalho e na contribuição para a segurança alimentar. Além de, também, representar uma oportunidade para a cadeia produtiva, com novas fontes de renda para os produtores rurais, recuperação do potencial produtivo em áreas degradadas, garantia da competitividade entre os principais fornecedores agrícolas internacionais e fortalecimento de pequenos produtores.
Já para o setor de energia, o co-benefício é a segurança energética e geração de empregos e de renda, com a geração de biocombustíveis, de energia solar e eólica.
E para florestas, os outros benefícios são: diminuição das erosões, manutenção da biodiversidade local, aprimoramento da qualidade e disponibilidade hídrica, efeitos positivos à saúde humana com a redução de desmatamento e queimadas, além da geração de aproximadamente 7 milhões de empregos no Brasil, como consequência das ações desse mercado.
APCER Brasil – Quais seriam os maiores compradores dos créditos de carbono brasileiros?
Laura Albuquerque – A demanda global e nacional por créditos de carbono possui de forma simplificada duas origens: os compromissos dos países e mercados de carbono regulados, como as metas NDC-Nationally Determined Contributions em português Contribuições Nacionalmente Determinadas, e os compromissos voluntários, como as metas de compensação de zero emissões líquidas, ou net zero.
Para a demanda global, a partir das metas NDC ratificadas no Acordo de Paris, estima-se que até 2030 países como Estado Unidos, Japão, Austrália, Coreia do Sul e países da União Europeia demandarão aproximadamente 4,5 GtCO2 por ano. Logo, são os maiores compradores dos créditos de carbono que poderiam demandar créditos brasileiros.
APCER Brasil – O cálculo da Pegada de Carbono é essencial para uma organização que deseja adotar o conceito ESG (ou Environmental and Social Governance)?
Laura Albuquerque – O conceito ESG contempla as melhores práticas ambientais, sociais e de governança da empresa. Quando falamos da Pegada de Carbono, ela é plenamente relevante, se a mudança do clima for um tema absolutamente material dentro da empresa. Então, para responder essa pergunta, é necessário conhecer a materialidade da instituição, para avaliar se esse tema está aderente a essa materialidade e depois disso, avaliar o caminho ESG. Nem sempre uma organização que faz a Pegada de Carbono vai estar alinhada aos conceitos ESG, principalmente se a mudança do clima ou o carbono não forem temas relevantes para o setor, comunidade e partes interessadas no negócio em que a companhia está inserida. ESG é um processo de gestão dos temas ambientais, sociais e de governança.
APCER Brasil – A Floresta Amazônica concentra o maior potencial de créditos de carbono no Brasil?
Laura Albuquerque – Hoje, no Brasil, a maior quantidade de projetos de geração de crédito carbono do setor florestal no mercado voluntário de carbono estão localizados na Floresta Amazônica. Mas existem projetos de geração de crédito de carbono em outros lugares do país também. Em breve, a WayCarbon finalizará um relatório que vai detalhar como esses projetos estão distribuídos no Brasil.
APCER Brasil – Quais passos organizações que calcularam a Pegada de Carbono e deseja reduzir suas emissões devem seguir?
Laura Albuquerque – Pegada de Carbono é um instrumento que realiza o mapeamento de todas as fontes de geração de emissão de GEE dentro do ciclo de vida de um produto, projeto ou de determinada empresa. A visibilidade que o estudo de Pegada de Carbono traz é exatamente a identificação dos principais processos que precisam reduzir emissão de GEE, mas as empresas também devem realizar seus inventários de emissão.
Quando um estudo de Pegada de Carbono é elaborado, ele realiza um o mapeamento de todas as fontes de emissão de GEE, a empresa faz o cálculo de suas emissões e deve olhar para os escopos 1, 2 e 3, que analisam a própria emissão, a compra de energia elétrica e o impacto dos fornecedores e clientes, respectivamente. Idealmente, é importante contabilizar tanto as emissões de origem direta das suas atividades, quanto as indiretas, relativas a fornecedores e clientes. O modelo mais utilizado para esse cálculo é o GHG Protocol para inventários e PAS 2050 para pegada de carbono.
O planejamento deve ser feito com uma estratégia de redução viável, considerando todo o processo de produção, clientes, logística, fornecedores envolvidos e demais ações de impacto da companhia.
Com o plano de ação em mãos, a empresa pode avaliar submeter suas metas ao SBTi (Science-based Targets Initiative) - iniciativa conjunta da ONU, WRI e WWF de promoção do alinhamento dos compromissos de descarbonização das empresas às metas estabelecidas pela ciência, em consonância com o Acordo de Paris - para analisar se o que está proposto é factível nos prazos estabelecidos e adequado à necessidade de descarbonização do setor. Apenas depois de realizar as reduções de GEE da sua operação, você deve partir para a compensação das emissões residuais.