“A certificação de acordo com a norma ISO 9001 transmite ao mercado um sentimento de confiança, de qualidade dos produtos e serviços e do bom atendimento ao cliente, o que permite o acesso a novos mercados e oportunidades de negócio, nacionais e internacionais”
Cerca de 18 mil empresas são certificadas no Brasil com a norma ISO 9001 - Sistema de Gestão da Qualidade, segundo levantamento da International Organization for Standardization (ISO), realizado em 2020. A certificação de acordo com essa norma internacional é uma decisão da organização, no entanto, em um mercado cada vez mais competitivo, oferece vantagens visando a sustentabilidade e a continuidade do negócio.
Para falar sobre o assunto, a APCER conversou com Nigel H. Croft, formado em ciência de materiais na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e com pós-graduação e pós-doutorado nas Universidades de Sheffield (Inglaterra) e Berkeley (EUA). Nigel Croft é reconhecido como um dos principais especialistas mundiais em gestão de qualidade, sistemas de gestão e avaliação da conformidade. Desde 1995 está nas atividades da ISO ao nível internacional, inicialmente como membro da delegação brasileira (ABNT/CB-25) no comitê técnico TC176 e entre 2010 e 2018 como presidente do Subcomitê TC176/SC2, responsável pelas normas ISO 9001 e ISO 9004. Atualmente preside o Grupo de Coordenação Técnica da ISO para todas suas Normas de Sistemas de Gestão.
Leia a entrevista na íntegra:
APCER – A ISO 9001 é uma norma de referência, mas há empresas que desconhecendo o propósito desta norma poderão considerar que é somente um selo. Como mudar essa perspectiva?
Nigel Croft – Quanto a isso não tenho dúvida: é mostrando resultados. Revelando que realmente a implementação de um Sistema de Gestão da Qualidade que atende aos requisitos da norma ISO 9001, alcança os propósitos, que é permitir que uma empresa demonstre sua capacidade em fornecer, de forma consistente, produtos e serviços que atendem as necessidades e expectativas dos clientes. E também, ao mesmo tempo, eventuais requisitos regulamentares auditáveis.
Se o sistema está cumprindo isso, todos acham a ISO 9001 uma beleza, pois traz mais confiança. Mas, o inverso também se aplica, se eu vejo uma empresa que tem adotado o que eu chamo de uma abordagem minimalista, tentando fazer o mínimo possível, até enganar o auditor para tentar fazer menos que o mínimo exigido pela norma, essa empresa vai acabar produzindo produtos e serviços que não atendem as necessidades do seu cliente, que ficará frustrado.
APCER – A ISO 9001 pode servir de estrutura pra implementação de práticas ESG (Environmental, Social and Governance)? Como?
Nigel Croft – A ISO tem um portfólio enorme de normas sobre os mais diversos assuntos, entre elas, tem normas como a ISO 14001, que trata de gestão ambiental, outras de governança, de continuidade do negócio, gestão de energia etc. A ISO 9001 foca na parte de objetivos relacionados à qualidade do produto, mas cria uma base, com análise de não conformidades, análise de dados, revisão da direção da empresa, resultando em um mecanismo que depois pode agregar outros fatores. Confesso que é satisfatório ouvir algumas pessoas, dentro desse mundo ESG, citando a norma ISO 9001 como uma ferramenta de gestão que permite às organizações passarem uma mensagem de confiança relativamente aos conteudos dos relatórios ESG que emitem.
APCER – Como funciona o foco no cliente? A ISO 9001 traz ferramentas para que as opiniões dos clientes virem projetos dentro da organização?
Nigel Croft – É necessário entender quem é o cliente, e daí partir para uma cultura da qualidade focada no cliente. Essa cultura da qualidade tem que ser criada e mantida pela alta direção em conjunto com diversos níveis gerenciais dentro da empresa – isso é um requisito da ISO 9001.
Existem outros requisitos da ISO 9001 para entender as expectativas e necessidades dos clientes, por exemplo, relativos a comunicação, como obter feedback contínuo, deixando de lado uma atitude passiva de só reagir quando há reclamações, e optando por um acompanhamento que permite saber como a empresa está se saindo, medindo inclusive o grau de satisfação dos clientes. Esses são aliás, requisitos da ISO 9001 e têm que ser cumpridos para alcançar a certificação.
Mas vai muito além disso, porque as normas da série ISO 9000, não são só a ISO 9001, existem normas de diretrizes orientativas como a ISO 10004, que trata de mecanismos para avaliar o grau de satisfação do cliente, o que fazer se este não estiver satisfeito, e como que isso poderia desencadear numa série de ações para melhorar o propósito da empresa e satisfação do cliente.
As opiniões emitidas pelo cliente deveriam ser de suma importância para uma empresa, não porque é um requisito da ISO 9001, mas porque faz sentido para a empresa, reconhece as opiniões e utiliza-as para poder melhorar o negócio, essa é a proposta.
APCER – A norma se propõe a padronizar os resultados positivos, mas é possível evoluir a partir desses resultados?
Nigel Croft – É possível sim sempre evoluir a partir desses resultados, a ISO 9001 tem um grande foco naquilo que chamamos da eficácia do processo. O resultado pretendido está sendo alcançado, mas para ser bem-sucedido a longo prazo, não adianta apenas ser eficaz, uma empresa tem que ser eficiente também. A empresa pode ter os melhores produtos do mundo, mas se não for eficiente vai para falência, porque não é rentável. Então, essa questão de eficiência do processo não necessariamente é um requisito da ISO 9001, mas é abordado na norma complementar da ISO 9001 que é a ISO 9004, que fala de orientações para uma empresa alcançar sucesso sustentável, sucesso a longo prazo.
APCER – Como a ISO 9001 auxilia na gestão de risco dentro de uma empresa?
Nigel Croft – Eu diria que há uma interação bilateral. A ISO 9001 pode ajudar na gestão que eu chamaria de gestão mais ampla de risco da organização, ou seja, os riscos estratégicos que uma empresa corre. Já uma abordagem baseada nos riscos, que na ISO 9001 a gente apelida de “mentalidade do risco” ou “pensamento baseado em risco” pode ajudar na implementação da própria ISO 9001.
Tem outra norma muito boa, a ISO 31000, norma de guia e orientação de gestão de risco, não é certificável, mas é extremamente útil na implementação da ISO 9001, as duas andam de mãos dadas.
APCER – É possível reduzir custos ou melhorar o desempenho financeiro da organização com a implementação da ISO 9001?
Nigel Croft – Claro que sim, principalmente se for implementado um Sistema de Gestão da Qualidade de forma saudável, o que eu quero dizer com isso é não cortar o caminho, fazer uma implementação partindo dessa premissa: vamos entender bem os nossos processos, vamos entender bem os riscos e vamos gerar o PDCA – Plan (planejar); Do (fazer); Check (checar); Act (agir). A ISO 9001 baseada na gestão e na abordagem do processo fornece uma base sólida para dar disciplina às iniciativas de atividades de trabalho mais enxuto, trabalho mais eficiente, embora não seja um requisito da ISO 9001, ela é a base para que isso aconteça e, inevitavelmente, melhora o desempenho financeiro da organização.
APCER – Por que que a certificação com a ISO 9001 amplia o acesso a novos mercados?
Nigel Croft – A certificação de acordo com a norma ISO 9001transmite ao mercado um sentimento de confiança, de qualidade dos produtos e serviços e do bom atendimento ao cliente, o que permite o acesso a novos mercados e oportunidades de negócio, nacionais e internacionais. No entanto é importante garantir que a certificação é reconhecida e credivel, e para isso é necessário selecionar um organismo de certificação acreditado. A APCER é um organismo de certificação acreditado pela Coordenação Geral de Acreditação – CGCRE (INMETRO), entidade reconhecida internacionalmente pelo IAF (International Accreditation Forum). Organismos certificadores que não têm essa acreditação transferem uma desvantagem para as empresas que certificam, porque as pessoas olham com uma certa desconfiança para essas certificações, sendo mais dificil ao tentar exportar seus produtos.
APCER – Como reconhecer que uma certificadora tem credibilidade para fazer o processo de certificação?
Nigel Croft – Para uma certificadora mostrar que é competente e tem a autonomia para fazer o trabalho de certificação, existe uma norma ISO/IEC 17021-1, que dita as regras que uma certificadora tem que cumprir se ela quiser ser acreditada. Acreditação, na realidade, nada mais é do que um atestado emitido por uma entidade reconhecida, no caso do Brasil essa entidade é a Coordenação Geral de Acreditação (Cgcre) do Inmetro, que possui auditores competentes que fazem análise de potenciais conflitos de interesse, de comportamento ético, conhecimento técnico apropriado para fazer aquela certificação dentro do alcance, etc.
APCER – A certificação com a ISO 9001 inclui as diretrizes da ISO 9004?
Nigel Croft – Não inclui as diretrizes da ISO 9004, mas as bases e conceitos das duas normas são os mesmos. A ISO 9001 é certificável e a ISO 9004 apresenta diretrizes de boas práticas para uma empresa alcançar o sucesso a longo prazo, mas não leva a certificação. Infelizmente, muitas empresas pensam, aquelas que eu chamo de empresas minimalistas “eu já obtive a certificação ISO 9001; por que complicar mais com ISO 9004?”. “Eu não sou obrigado a fazer isso, a norma não tem requisitos, eu não tenho certificação se eu implementar aquilo, então, por que que eu vou fazer isso?” – a resposta é porque a implementação das diretrizes da ISO 9004 vai melhorar o desempenho da sua organização, para que tenha mais garantias de sobrevivência e sucesso a longo prazo.
A qualidade então vai muito além da qualidade dos produtos e serviços. A empresa pode oferecer produtos maravilhosos, porém de forma ineficiente, com preços inviáveis ou a custos excessivamente elevados, e/ou agredindo o meio ambiente, adotando práticas socialmente inadequadas - pode entregar o melhor produto do mundo, mas assim mesmo vai à falência. Hoje em dia, com as mídias sociais, se o consumidor descobre que um sub fornecedor bem distante seu, está usando mão de obra infantil, logo isso vai ser divulgado de forma viral nas redes, e o mercado pode boicotar o seu produto. Então, nós temos que abrir nossa visão para enxergar as exigências do consumidor moderno e pensar na questão da qualidade no sentido mais amplo.
