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03 Dez 2021

Engenheiros ambientais da FNEAS conversam com a APCER Brasil sobre Pegada de Carbono, mudanças climáticas e Mercado de Carbono

O Brasil possui potencial de mais de 80 bilhões em uma área inédita, que pode ainda contribuir para uma maior sustentabilidade do planeta e aumento da competividade industrial. Este será um dos temas principais da Conferência do Clima (COP 26), que reunirá mais de 190 países no fim deste mês, em Glasgow, na Escócia, e que debaterá a regulamentação do chamado Mercado de Carbono e sua aplicabilidade prática nos países.

Com o cálculo da Pegada de Carbono, serviço realizado pela APCER, é possível traçar uma estratégia viável para redução e neutralização – como o uso de energias alternativas e plantio de árvores, por exemplo.

Para enriquecer o debate acerca desse tema, a APCER entrevistou a engenheira ambiental e especialista em Mudanças Climáticas e Mercado de Carbono, Elisa da Costa Guida, que junto aos profissionais da Federação Nacional das Associações de Engenharia Ambiental e Sanitária, FNEAS, entidade que congrega 20 entidades federais brasileiras, compartilhou seus conhecimentos.

Os engenheiros ambientais, Rodolfo Alves de Souza Neto, presidente da FNEAS, a vice-presidente Antônia Tatiana Pinheiro, e Liane de Moura Fernandes Costa, que atuou na Seção de Meio Ambiente da Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente (DPIMA) do Departamento de Engenharia e Construção (DEC) do Exército Brasileiro, colaboraram com seus conhecimentos e experiências.

Leia a entrevista na íntegra:

APCER – Qual a importância para as empresas do cálculo da Pegada de Carbono?

FNEAS – O termo “pegada de carbono” refere-se ao cálculo do indicador de emissões de gases de efeito estufa (GEE) a partir do ciclo de vida ou de etapas do ciclo de vida de um sistema produtivo ou produto. Por exemplo, se estamos falando de um leite, a pegada de carbono completa (a qual denominamos do berço ao túmulo – desde a extração da matéria prima até a destinação final de todos os resíduos) necessitaria prever fontes de emissão e remoção de GEE desde os processos para a criação do gado leiteiro, passando por todas as etapas de logística, manufatura, distribuição e destinação.

É comum confundir pegada de carbono e inventário de emissões. Embora ambos calculem o impacto climático, o inventário é restrito às operações da empresa, enquanto a pegada vai em todo o processo, incluindo obrigatoriamente as chamadas emissões de Escopo 3, as quais são opcionais em inventários.

De toda forma, a importância desta atividade é traçar um ponto de partida dentro da empresa para uma gestão climática bem-sucedida, uma vez que, somente conhecendo o perfil e representatividade das fontes de emissão, será possível agir de forma objetiva e eficaz nos planos de mitigação.

APCER – Quais processos podem ser feitos para redução ou neutralização de emissão de gases de efeito estufa (GEE)?

FNEAS – A redução de emissão de GEE vai depender do tipo de fonte relacionada. No geral, tal redução ocorre a partir de implementação de tecnologias mais eficientes. Grande parte das emissões mundiais, por exemplo, decorrem do uso exacerbado de combustíveis fósseis, os quais resultam em emissões de três GEEs (CO2, CH4 e N2O). Assim, a implantação de métodos de eficiência energética ou a substituição por fontes renováveis em todos os tipos de uso energético (combustão móvel, eletricidade, térmica etc.) é uma das formas de se atingir este resultado. No caso de atividades que envolvem o uso do solo e atividades agropecuárias, uma redução do desmatamento e a implantação de práticas regenerativas, ou seja, que promovem a remoção de carbono da atmosfera através de sistemas vivos (estoques de carbono na vegetação e no solo) são exemplos de métodos de mitigação.

A neutralização, por sua vez, é o resultado de uma conta que zera, ou seja, através de um conjunto de atividades que podem ser de redução ou compensação, uma quantidade de emissões de dióxido de carbono equivalente (CO2e) idêntica aquela que é emitida pela empresa ou atividade em questão precisa ser apresentada. Em se tratando de compensação, é uma estratégia de trazer reduções certificadas de outras áreas para conseguir neutralizar aquilo que não foi possível reduzir internamente. É o caso, por exemplo, do uso de créditos de carbono.

APCER – Quais medidas o Brasil deve tomar para se tornar o sucesso estimado no mercado de Créditos de Carbono?

FNEAS – O Brasil não possui, hoje, um mercado de créditos de carbono regulamentado, ou seja, aquele com diretrizes e obrigatoriedades definidas para os setores. Tais pautas estão em discussão, desde o projeto PMR Brasil, que estuda as formas de precificação de carbono no país, quanto discussões mais recentes, tais como a PL 528/2021, que visa regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), ainda em discussão na Câmara dos Deputados.
Para ter um mercado de créditos de carbono sólido, as medidas a serem adotadas, assim como em qualquer outro país, o Brasil precisa se certificar que terá regras bem definidas, atreladas a uma entidade preparada e célere em seus processos, bem como procedimentos consistente de transparência na alocação de recursos e rastreabilidade dos créditos gerados, prezando por aspectos primordiais de qualquer ativo de carbono: a garantia de que são adicionais, permanentes e que não estão sendo duplamente contabilizados.

APCER – Quais os principais setores que podem obter sucesso nesse mercado?

FNEAS – Quando falamos em carbono, existem dois grandes grupos de mercado: o regulado e o voluntário. O primeiro existe em locais nos quais é são instituídas obrigações aos participantes, em termos de quanto reduzir, de que forma, em qual período e como reportar tais reduções. Já o segundo é um mercado que existe para organizações que voluntariamente assumem compromissos climáticos, geralmente associados a busca por certificações e reconhecimento ambiental. Neste caso, empresas ou instituições que realizam atividades que reduzem ou removem emissões de GEE são aquelas que desenvolvem os chamados projetos de carbono e vendem estes direitos em mercado.

Neste tópico, a oportunidade existe para atividades, com escala, capazes de comprovar que aquela redução é adicional, ou seja, que excede um cenário business as usual (que normalmente aconteceria na ausência do projeto). Por isso, atividades com menores índices de implantação, independente do setor, possuem mais chances de sucesso.
Um exemplo são as energias renováveis para a geração de eletricidade, que foram as maiores representantes de geração de créditos no mercado e que hoje tem maior dificuldade de comprovação da adicionalidade, devido à sua expansão. Atividades promissoras e muito faladas na atualidade são as chamadas “Soluções Baseadas na Natureza”, relacionadas às práticas de conservação florestal, manejo sustentável e agropecuária regenerativa, por exemplo. No entanto, outras atividades, principalmente aquelas que envolvem novas tecnologias, continuam permitidas e valorizadas em ambos os mercados.

APCER – A regulamentação do mercado de Créditos de Carbono é o caminho para conscientizar empresas sobre a importância do cálculo da Pegada de Carbono e redução da emissão de GEE? Quais outros caminhos para essa conscientização?

FNEAS – Com certeza! Empresas que desejam participar do mercado de carbono devem, antes de tudo, entender o seu impacto, o que é feito através dos inventários de emissões. Por isso, é a etapa inicial do processo.

Essa conscientização pode se dar por alguns outros rumos, como por exemplo: i. comando e controle, no qual agências ambientais passam a incorporar tais quantificações para a obtenção de licenças e autorizações, ou ainda concedem benefícios aqueles que realizam os inventários ou ainda ii. demanda dos stakeholders por transparências de tais informações, sejam eles a sociedade civil, o público consumidor, os fornecedores ou investidores.

O mercado financeiro tem sido um dos principais agentes de impulsão da realização deste tipo de trabalho, pois o impacto e a gestão climáticas são peças fundamentais no contexto tão falado ultimamente, o ESG (ou Environmental and Social Governance).

APCER – Todo tipo de empresa deve calcular sua Pegada de Carbono? Para quais atividades ela mais se aplica?

FNEAS – Espera-se que toda atividade gere emissões de GEE, em algum nível. Essas emissões podem advir de processos administrativos, industriais, além de outras ações referente ao uso do solo. Assim, por se tratar de um impacto ambiental efetivo, deve ser mensurado, para que a sua gestão adequada seja possibilitada.

Não existem atividades mais aplicáveis, mas existem atividades com maior potencial de poluição. Dentre elas, podemos mencionar aquelas com uso expressivo de fontes fósseis de energia (por exemplo, cimento, aço, alumínio, óleo e gás, dentre outras), a atividade da pecuária, destinações de resíduos sólidos com pouca ou nenhuma recuperação do gás metano, dentre outras.

APCER – Quais os benefícios, além dos financeiros, para as empresas que se comprometerem com a redução/neutralização de GEE?

FNEAS – O impacto das mudanças climáticas em nossa sociedade é uma pauta que vem ganhando muita força, principalmente devido ao fato de as consequências são globais. Por isso, existe muita atenção voltada para como as empresas agem e se posicionam acerca do tema. Assim, entra em jogo o que chamamos de risco reputacional, cujo efeito pode ser sentido através das reações dos stakeholders, sejam eles investidores, cadeia de suprimentos, consumidores, comunidades ou outros.
Além disso, a redução de emissões muitas vezes está relacionada a processos mais eficientes dentro das empresas (por exemplo, eficiência energética, redução do desperdício etc.), o que por si só já traz benefícios antes mesmo de se pensar na redução de emissões.

APCER – O relatório anual do Observatório do Clima indica que as emissões de GEE cresceram no Brasil 9,6% em 2020 com relação a 2019. Dá para visualizar um cenário diferente se mais empresas já tivessem calculado a Pegada de Carbono para gerenciar suas emissões?

FNEAS – Se olharmos para as emissões de forma setorizada, o aumento expressivo foi no setor de Mudança do Uso da Terra e Florestas, de quase 24% em relação ao ano anterior. Tais emissões são decorrentes principalmente de eventos de desmatamento.

Embora estas emissões possam (e devam) ser inventariadas, muitas vezes não são. Mesmo porque muito desse desmatamento ocorre de forma ilegal. Então, sim, realizar a quantificação e gestão das emissões de GEE é essencial para uma estratégia climática. No entanto, especificamente no que diz respeito a este dado, um cenário diferente não seria esperado. Neste caso, políticas públicas mais bem implementadas e fiscalizadas fariam mais sentido.

APCER – Quais os passos para uma empresa reduzir ou neutralizar a emissão de gases de efeito estufa?

FNEAS – O primeiro passo é conhecer os riscos e potencialidades. Como? Através de um diagnóstico. Ele deve ser capaz de, de um lado apontar as principais fontes de emissão existentes naquela organização, através de um bom inventário de emissões. Para as oportunidades, é hora de pensar em melhores práticas para redução, de preferência voltadas para as fontes mais expressivas. Naturalmente, a atividade poderá ganhar eficiência, mas nem sempre poderá deixar de emitir, uma vez que ainda depende de recurso e infraestrutura, que por sua vez também emitem.

No entanto, a partir das oportunidades identificadas, é possível traçar planos de mitigação, para o que se pode reduzir e, para o que não se pode reduzir, pensar em formas de compensação, ou seja fazendo uso de estratégias que podem abater parte das emissões existentes. É o caso dos créditos de carbono, os quais podem ser adquiridos em mercado internacional. Outras estratégias são ações dentro da própria cadeia de valor. No Brasil, por exemplo, temos o caso da Natura com o “Carbono Circular”, que recompensa famílias de pequenos agricultores que fazem parte da sua cadeia fornecedora e, através de projetos regenerativos, alcançam a remoção de carbono da atmosfera. No ciclo da neutralização um terceiro parte importante é comunicar. Tornar transparente e rastreável toda e qualquer ação tomada para a neutralização.

APCER – Quais as diferenças da ISO 14064 e do Greenhouse Gas Protocol, usados para calcular e gerenciar a Pegada de Carbono?

FNEAS – A ISO 14.064 é uma normativa para inventários de emissões de GEE, que traz principalmente os princípios e boas práticas da quantificação de tais emissões. No entanto, não é uma metodologia de cálculo. Já o GHG Protocol se respalda na ISO, na adoção de seus princípios, além de oferecer uma metodologia de cálculo de emissões, pautada nos guias do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima – IPCC, além de questões específicas do país onde está publicado.

APCER – Qual a importância destas ferramentas de gestão para as empresas que querem trabalhar créditos de carbono?

FNEAS – Quem trabalha com créditos de carbono está atuando do lado da mitigação, ou seja, realizando atividades capazes de reduzir ou remover emissões de GEE. Para fazer isso, existem procedimentos internacionais, relativamente complexos, que seguem um rito ao qual um projeto deve se submeter até chegar na etapa de gerar créditos, o que costuma se repetir a cada período de monitoramento.

Assim, para empresas que desenvolvem projetos geradores de créditos de carbono, ferramentas capazes de organizar de forma lógica tais informações são extremamente úteis, principalmente se forem capazes de auxiliar no acompanhamento dos parâmetros monitorados, controle de evidências e informações necessários ao longo da duração do projeto.

APCER – Que tipo de credibilidade uma empresa ganha no mercado com a redução de emissão de GEE?

FNEAS – Ganha o reconhecimento de que está gerindo o seu impacto em mais um segmento (ou seja, além de energia, água, resíduos, pessoas, cultura, dentre outros, está também pesando em um impacto global) e de certa forma contribuição com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Para os que realizam Relatórios de Sustentabilidade, por exemplo, o reporte de emissões é um item solicitado, segundo a metodologia do Global Reporting Initiative, que é o método mais disseminado para a elaboração destes relatórios.

APCER – Quais outras medidas que o Brasil deve tomar para conseguir cumprir as metas do Acordo de Paris?

FNEAS – O Brasil precisa ser mais ambicioso com as suas metas. Fortalecer as suas políticas, de forma a não somente zerar o desmatamento ilegal, mas regulamentar a política ambiental brasileira. Além disso, trabalhar nas outras frentes. No lado energético, grande parte das emissões brasileiras vem do transporte rodoviário, por exemplo. Infraestrutura em mobilidade não só reduziria emissões, como também, viria como benefício para a população.

Do ponto de vista de mercados, o Brasil sempre foi participativo neste debate, mas ainda não tem estruturado um mercado interno de carbono. Caso isso venha a acontecer, deve se respaldar nos estudos que vem sendo realizados para entender as melhores estratégias de precificação e como implantar a sua boa gestão.

 

Elisa Guida
Gerente Técnica da Federação Nacional de Engenharia Ambiental (FNEAS)

 

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